por Paulo Rosa
Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental, Hospital Espírita, Telemedicina PM Pelotas
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Estamos completando quarenta anos do aclamado A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera, publicado em 1983. O texto rendeu-lhe reconhecimento mundial, filme sobre o assunto, dinheiro, projeção. Mas esse velho tcheco, naturalizado francês, não se abala. Vive há décadas em Paris e hoje, aos 92, segue avesso a entrevistas e ainda recentemente recusou o prêmio Kafka, a mais alta distinção literária de seu país de origem. Esse romance principal trata das inconstâncias, das volatilidades do amor, mas também traz algo de suas conhecidas críticas a regimes totalitários, tanto de seu país, como de todos os países, o que lhe valeu perseguição política.
Na tradução inglesa do título, a palavra utilizada – unbearable – aponta mais no sentido de “insuportável”, o que dá um tom bem mais grave, mais comprometido. Leveza como algo realmente intolerável para o sujeito. Essa visão menos otimista, digamos, do termo original, leva a pensar que o ser, ou seja, nós, procuramos involuntária e automaticamente nos afastarmos da possibilidade de sermos, em alguma medida, leves.
Acredito em uma visão ainda menos favorável. Penso que a leveza humana literalmente inexista. Entendo que o ser, ao configurar-se humano, descobre-se pesado, tanto para si, quanto para o outro. A leveza é, compreensivelmente, algo almejado, porque traria ela um modo de existir mais ameno, logo, mais gratificante.
Mas não nos seria ela algo naturalmente ofertado pela vida. Ao contrário, a leveza requer a tomada de decisão de ativamente busca-la, se tivermos a sorte de tomar consciência do peso de nossa alma. A leveza é algo a construir. Será, assim, um empenho consciente a partir de uma força apoiada na razão. Construiríamos, dessa forma, novo espaço mental, propício ao surgimento da leveza. Como quem lavra a terra para semear ali o que se quer cultivar. Não é tarefa pequena, muito menos breve.
Bem antes de Kundera, autores como Thomas Hobbes (1588-1679) já alertavam que a vida é solitária, pobre, sórdida, bruta e curta, perspectiva onde é fácil perceber, não há espaço para levezas. Será em meio a essas adversidades que teremos de abrir caminho, se algo de leveza desejamos conhecer. Desde outro ângulo, mas com igual contundência, e 300 anos depois de Hobbes, Fernando Pessoa (1888-1935) declarou que não sabia quantas almas tinha, além de alertar-nos que “quem tem alma não tem calma”. Ainda na mesma direção, nosso médico e diplomata Guimarães Rosa mostrou-nos de mil maneiras que “viver é muito perigoso”. Estes três respeitáveis sujeitos nos levam a pensar, decididamente, que a leveza humana, para existir, só sendo construída.
Insustentável leveza do ser é construção muito poética, evocando em poucas palavras, mil reflexões. Mas, quero crer que entre “insustentável” ou “insuportável”, preferiria “inexistente”. Por mais crua.
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